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Writer's pictureDra. Camila Couto e Cruz

Morando no exterior: Será que eu estou sendo vítima de discriminação?

Updated: Mar 12, 2022



Ontem eu estava na grama da área comum do prédio em que vivo. A título informativo, trata-se de um complexo que, no Brasil, chamaríamos de “alto padrão”. Bom, lá estou eu apreciando o dia até que sou interrompida por um dos funcionários do prédio que me pergunta em que apartamento eu moro. Digo e ele se afasta, mas não muito depois ele retorna e inicia-se um episódio de questionamentos sobre quem eu sou, qual é o meu nome, com quem moro e assim por diante. Constrangida, eu reafirmo o número do meu apartamento e digo que não tenho que dar credenciais para usar as áreas comuns do complexo e, novamente, solicito que ele me deixe em paz. A situação torna-se ainda mais alarmante. Ele começa a afirmar que eu tenho uma aparência suspeita, que eu não moro ali e que estou invadindo propriedade privada. Humilhada, volto ao meu apartamento para recuperar o fôlego e pensar em como agir (sem perder a minha razão).


Decido então me dirigir ao escritório do administrador do complexo, que é o chefe daquele funcionário, esperando que este tenha uma postura mais sensata e repreenda este funcionário por estar me tratando de maneira, para dizer o mínimo, descortês. Sou, então surpreendida pela sua atitude. Ele me diz que seu funcionário está certo em pedir minhas credenciais e que eu não tinha direito de ficar no gramado que está em frente ao outro prédio, que não o meu (muito embora trate-se de uma área comum a todos os moradores do complexo, segundo a documentação revisada por mim posteriormente). Tudo isso aconteceu numa tarde de segunda-feira enquanto eu aproveitava a sombra da minha tenda, sentada no gramado para ter um momento próxima à natureza. Novamente, à título informativo: não havia música.


Você poderia questionar a motivação do tal funcionário em me pedir tantas credenciais para ESTAR na área comum e justificar que pode se tratar de um procedimento padrão de segurança para salvaguardar os outros moradores. Mas espera... não havia nada que eu estivesse fazendo que pudesse levantar suspeitas, colocar alguém em risco ou mesmo incomodar alguém. Assim, me perguntei: POR QUE? POR QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO COMIGO? Me pus a pensar em outras situações que já haviam acontecido anteriormente. Lembrei-me de um dia em que estava com meu marido na beira da piscina e eu fui diretamente questionada por uma das administradoras sobre o número do apartamento em que moro. No momento exato desde ocorrido, eu não pensei em discriminação, mas pensando agora me lembro que havia vários outros grupos na piscina e eu fui a única que foi alvo da pergunta. Comecei a me lembrar das vezes em que, ao passar pelo portão era encarada pelos administradores, que moram em uma casa localizada em frente à entrada do condomínio. Lembrei-me então das tardes na piscina em que podia vê-los conversando relaxadamente enquanto tantos e tantos saíam e entravam sem receberem olhares indiscretos por parte dos administradores... aí percebi que tudo fazia sentido.


Veja bem, até esse momento eu não dei quaisquer características físicas dos envolvidos; e nem minha. Mas neste ponto da narrativa, não há como fugir. Dou-me conta de todos os fatores fenotípicos que me diferenciam dos meus vizinhos... dou-me conta de que, em sete meses, nunca vi outra pessoa negra transitando pelo condomínio. Assim, me dei conta de que sou UMA mulher negra de um condomínio com quase DUZENTOS apartamentos cheios de brancos... e que, nesse contexto, a minha cara é bem SUSPEITA mesmo.


No momento em que todas as peças do quebra-cabeça se encaixaram, eu REALIZEI que estava sendo vítima de discriminação SIM! O racismo e a xenofobia não se resumem a claramente xingar alguém referindo-se de forma pejorativa à sua cor da pele ou ao seu país de origem. Estes tipos de discriminação podem ser velados também. Agora eu te pergunto: será que você está sendo vítima de discriminação? Se você está sendo discriminado de QUALQUER forma - seja ela explícita ou velada - no seu trabalho, na sua acomodação ou em qualquer outro lugar, procure a comissão de direitos humanos mais próxima de você! Existe ajuda GRATUITA através de serviços em que você pode se informar anonimamente e, assim, decidir se deseja prosseguir com processos judiciais. Lembre-se sempre que estar fora do seu país de origem não te tira o direito de SER HUMANO.


Como fazer isso? Entre no Google e digite na língua do país em que mora “comissão de direitos humanos (nome da cidade/país)” ou “comitê anti-discriminação (nome da cidade/país)”. As primeiras opções serão de instituições que lidam com esses temas. Nestas páginas, você pode buscar um telefone para contato ou um e-mail. Também pode ser interessante procurar ONGs voltadas para garantir os direitos de imigrantes – mesmo que seja de outro país, você poderá obter informações valiosas sobre como se defender.


Importante: Situações de discriminação tendem a ser mais facilmente provadas se houver documentos como e-mails ou mensagens de texto enviadas por quem está te discriminando. Isso não quer dizer que você não possa seguir em frente e fazer uma reclamação a esses órgãos se você não tiver como provar; só estou ressaltando que ter provas torna o processo mais fácil. Cuidado! Gravações de áudio ou vídeo sem autorização podem não ser adequadas. Consulte um serviço de auxílio legal (Legal Aid), que também é normalmente gratuito, para tirar dúvidas.


Lembre-se sempre que você tem o seu valor como PESSOA e que NINGUÉM pode se subjugar, te humilhar ou te fazer passar por situações constrangedoras. Não importa o país em que você esteja ou a sua situação financeira. DENUNCIE! Isto evitará que você continue sofrendo discriminação e que outras pessoas passem pelo mesmo problema.


Você deve estar querendo saber como eu resolvi a situação com os que me discriminavam há tanto tempo e eu não percebia, não é mesmo? Pois é... tenham certeza de que eu não me cansarei no meio do caminho e nem vou me deixar abater pela tristeza que essa situação me trouxe. Eu vou seguir em frente em busca pelos meus direitos, mesmo tendo que olhar na cara dos meus agressores diariamente. Vou mostrar para eles que além de imigrante e negra (com orgulho) eu também sou uma mulher forte que sei os caminhos para me defender. Agora é esperar que a justiça seja feita.


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Camila Couto e Cruz é psicóloga com formação em Gestalt-Terapia e doutorado em Psicologia Social pela University of Queensland; uma das 50 melhores universidades do mundo, de acordo com o QS World University Ranking.

Camila trabalha com psicoterapia na modalidade online, atendendo brasileiros que vivem no exterior através de uma abordagem dinâmica, voltada para a autorregulação e ajustamento criativo do indivíduo.

Camila é criadora do Movimento Presente, um programa GRATUITO que visa melhorar o bem-estar dos brasileiros que vivem no exterior.

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